sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

As Bibliotecas Diante dos eBooks – Muitas Perguntas.

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Esta excelente reflexão, sobre o impacto dos livros digitais na relação entre editoras e bibliotecas, foi escrita por Ludmila Pizarro*. Acompanhe:

Os congressos realizados pela CBL sobre publicações digitais têm sido uma oportunidade muito legal de renovar ideias. Insights, novas perspectivas, ideias que podem ser aproveitadas ou adaptadas. Um bom momento para reflexão. Em 2012, a minha atenção se dirigiu, particularmente, ao painel com a presença de um grupo de bibliotecárias que colocaram, competentemente, quais as suas expectativas sobre o mercado de livros e periódicos eletrônicos. Vale lembrar que essas profissionais representavam instituições de ensino com grande interesse em publicações de caráter científico, e talvez por isso, já habituadas na aquisição de material digital tanto livros em língua estrangeira como periódicos nacionais e internacionais.

Alguns pontos apresentados, entretanto, me causaram certa inquietação. Principalmente pelo fato de atuar profissionalmente em uma Editora que publica alguns periódicos de caráter científico. E de já termos alguma experiência no processo de passar do periódico impresso para o digital.
Periódicos

O mercado dos periódicos científicos sofreu (e está sofrendo) os impactos da digitalização, na minha percepção, de forma mais rápida e efetiva do que o mercado de livros. Com as bibliotecas eletrônicas dirigidas para artigos e periódicos científicos (como a Scielo, talvez a mais popular delas no Brasil), esse mercado ‘digitalizou-se’ mais rápido. A editora onde trabalho, por exemplo, mantém uma biblioteca digital em funcionamento desde 2008, com cerca de 20 periódicos (alguns com perfis mais profissionais e outros mais acadêmicos) e comercializada por meio de assinatura. A biblioteca digital representa hoje mais de 20% das nossas vendas de periódicos como um todo.

Além disso, é um mercado cheio de peculiaridades onde a atuação do MEC (através da CAPES e sua política de aferição de qualidade para periódicos científicos, conhecida como QUALLIS) é determinante na hora de um acadêmico enviar o seu artigo inédito para esse ou aquele periódico. Essa política é propositadamente centralizadora, fazendo com que periódicos tradicionais fiquem cada vez mais fortes e dificultando a consolidação das iniciativas independentes. Não que seja uma política equivocada, dentro dos objetivos do MEC ela é bastante coerente, mas para incluir e manter a iniciativa privada (como uma editora) nessa lógica não é simples.
Acervo perpétuo, continuidade das plataformas próprias

Com esse cenário apresentado, é possível agora pontuar algumas questões práticas que foram colocadas e que, se hoje já são uma realidade para editoras de publicações digitais, podem em breve, causar dúvidas àquelas que estão ensaiando sua entrada nesse mercado.

A primeira delas é a solicitação do acervo perpétuo. Para as bibliotecas trata-se de uma premissa simples, já que na assinatura convencional o exemplar físico do periódico sempre fará parte do seu acervo. No entanto, é necessário observar que no caso de uma plataforma própria da editora, a ‘manutenção’ daquele acervo é da empresa, não da biblioteca. Então como garantir essa manutenção sem prazo para terminar? Um exemplo para clarear a situação: uma biblioteca assina uma revista por 12 meses e recebe mensalmente 12 edições, ok. No ano seguinte não renova mais aquela assinatura e, portanto, não receberá mais novas edições. Porém, ela quer continuar acessando as 12 edições do ano anterior. Para oferecer isso, a editora deve manter uma equipe responsável pela plataforma, investimento em servidores, etc. É diferente de um livro ou um volume físico que a manutenção é responsabilidade da biblioteca. Se rasgar, se queimar, a editora não tem que fornecer outro. Pode-se argumentar que os novos assinantes cobrirão os custos dessa manutenção, mas seria justo? É uma situação que precisa ser bem estudada pelo mercado e requer atenção por parte das editoras.

Outro ponto é a continuidade ou não das plataformas próprias. Segundo apresentado no Congresso, as bibliotecas enfrentam uma dificuldade na gestão de várias plataformas, além de exigir que o usuário se adapte a interfaces diferentes algumas vezes para pesquisar um mesmo tema. Diante disso, a sugestão é que o conteúdo seja entregue de maneira compatível com a plataforma da biblioteca. Porém, as bibliotecas não têm, por enquanto, uma plataforma única e nem todos os clientes têm plataformas próprias (na verdade, só têm plataformas próprias as grandes bibliotecas). Para atender essa demanda, portanto, seria necessário desenvolver o mesmo conteúdo em vários formatos e ainda manter uma plataforma própria para atender os demais clientes. Claro que não estamos falando de nada impossível, ou muito difícil de fazer, correto? Correto, porém, mais uma vez, isso envolve custos, equipe, infra, softwares licenciados e tudo mais. As bibliotecas, o mercado, os players desse jogo estão dispostos a pagar para viabilizar isso tudo?
Pagamento por acesso?

Além dessas questões, que já perpassam a realidade das editoras, e que diante das exigências do mercado tentamos atender, surgiu um levantamento durante esse mesmo painel, sobre o pagamento, pelas bibliotecas, por acesso. A ideia é pagar apenas por aquilo que alguém quiser baixar e ler. Façamos uma comparação com o mundo físico. Você compra um livro, mas só paga quando e se for ler. Se ninguém ler, não é necessário pagar. Por outro lado, se o livro, periódico, ou artigo científico for acessado repetidas vezes, o recebimento acontece várias vezes também. O raciocínio é lógico, todavia, vale cautela quando falamos de publicações científicas. O interesse na leitura da produção científica é, por natureza, escasso (talvez um motivo que explique a importância para determinadas editoras de ter entre seus clientes as bibliotecas dos centros de conhecimento).

Para esclarecer, utilizemos como exemplo um periódico que reúne a vanguarda do pensamento em física quântica. Bem avaliado pelo Quallis/Capes, artigos de doutores no assunto brasileiros e estrangeiros, edição primorosa. Poderia faltar um periódico com essas características na biblioteca de uma faculdade de ciências exatas gabaritada, que visa atender alunos de graduação e pós-graduação em Física? Acredito que não. Imagine, porém, quantas pessoas terão conhecimento suficiente para ler, efetivamente, esse periódico. Faça um esforço ainda maior de imaginação e pense quando todos os artigos de uma única edição serão lidos e quantas pessoas serão necessárias para que isso aconteça. E agora imagine que a editora desse periódico terá seu retorno financeiro dessa forma: a cada leitura. Para complicar só mais um pouco, essa discussão ainda envolve a utilização da plataforma da biblioteca. Nesse caso, quem controlaria o número de acessos ao conteúdo? E os direitos autorais? Também seriam pagos de acordo com acessos/leituras?
É preciso compartilhar mais experiências

Algumas bibliotecas virtuais no mundo, é um fato, já vivem uma realidade semelhante. Porém, elas adotam o seguinte discurso: quanto mais, melhor, porque eu ganho na escala. O mercado editorial brasileiro pretende adotar esse formato? Qual o papel das editoras nesse modelo de negócios?

Resumindo a ópera, pergunto: é possível desenvolvermos uma política que leve em consideração toda a cadeia produtiva do livro ou periódico científico? Até que ponto o mercado está disposto a se adequar para viabilizar algumas publicações de ponta?

Reitero que o objetivo com essas colocações é, principalmente, apresentar um ponto de vista diverso e alguns questionamentos pessoais que podem, de alguma forma, enriquecer a discussão. Além de tudo, gostaria de também ouvir colegas, compartilhar experiências e, quem sabe, desse debate, estudar alternativas interessantes para vivenciarmos o que está por vir.

* Ludmila Pizarro é Gerente de marketing da Editora Fórum. Jornalista, especialista em comunicação empresarial e aluna da Fundação Dom Cabral na ênfase de negócios.

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